"Você pode viver por toda uma vida e, ao final dela, saber mais sobre outras pessoas do que você sabe sobre si mesmo."

(Beryl Markham)

terça-feira, 24 de junho de 2014

Carta ao Amigo

Ser leal com o amor é não abandonar a tentativa. É esgotar as chances. É não permitir que um “se” seja maior do que um sim. É não experimentar a culpa por não ter feito.

Você cumpriu tudo o que um amor pede – está quite com a vida. Não haverá aquele remorso pela covardia, omissão, indiferença.

O amor pede agora que se retire. Quando cedemos o corpo e a alma, ficamos com o corpo. Não se preocupe, alma nasce de novo.

Ela escolheu não ficar contigo porque você criou a escolha. Antes ela não tinha. Você havia terminado. Agora ela entende que você a queria. Não deixou nenhuma vontade em desuso, nenhuma lembrança em aberto.

Não se arrependa nunca disso. Gentileza é garantir a escolha, mesmo que a resposta não seja a que desejamos.

Levará sua coragem para dentro de suas próximas paixões. Coragem é temperamento, não é interesse. Você não a conquistou, mas se conquistou de volta.

Ela não é menos porque deixou de amá-lo. Não tem culpa pela sinceridade. Tão corajosa quanto você por dizer o que pensa e não se submeter ao que os outros gostariam, inclusive nós. Merece o nosso respeito do início ao fim. Não está em julgamento.

Um homem só prova que é grande quando não diminui a mulher para se valorizar. Já deixei de ser homem várias vezes com ex-namoradas. Por favor, não me repita.

Assim como não irei admitir que sua busca seja confundida com perseguição. Ou fruto de um ciúme doentio. Foi uma declaração de ternura. Pena que não estamos mais acostumados com o romantismo e confundimos fé com obsessão.

Lembra quando chegou perto de mim e me pediu "Não sei o que fazer... Me ensina?"?

Pois é, eu não ensinei nada. Aprendemos os dois que o amor não tem orgulho, oferece apenas sua fragilidade. Aprendemos os dois que todo apaixonado é bipolar, procura e hesita quase ao mesmo tempo, arrisca e desiste quase ao mesmo tempo, muda de opinião para reafirmar logo em seguida, sofre escandalosamente para não sofrer seus segredos.

Talvez tenha errado em insistir, mas são erros puros, autênticos. Erros educados. Erros que não devem fazer com que se feche daqui por diante. Amor oferecido não se devolve. Não pede recompensa. Não exige final feliz.

O amor a ela fará com que ame melhor seus amigos e sua família. Vai migrar delicadamente para quem precisa e sente falta.

Ela não pode mais o esquecer. Pode não amá-lo, mas esquecer não. Há memória depois de uma vida juntos. Honremos.




 Fabrício Carpinejar 
Crônica do novo livro "Me Ajude a Chorar" (Bertrand Brasil, 155 páginas)

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